quarta-feira, 3 de março de 2010

Os tintos de clima frio

No Chile há uma tendência a plantar variedades tintas em regiões de clima frio, de jeito de obter vinhos com menor quantidade de açúcar, mais ácidos, frescos e leves, de acordo com a procura internacional. Matéria publicada pela Revista del Campo, do jornal El Mercurio, de Santiago do Chile.


A decisão de Felipe Díaz era óbvia. Na pior das hipóteses, a dúvida poderia ser se plantar mais hectares de chardonnay ou de sauvignon blanc. Para qualquer um que conhecesse o meio vinícola chileno de finais dos anos 90 ficava claro que Díaz devia “entupir” sua fazenda Loma Larga de variedades brancas.

Não era à toa que a propriedade agrícola que sua família tinha comprado ficava no coração do vale deCasablanca.

Porém, o engenheiro comercial fez uma jogada ilógica. Plantou as clássicas uvas brancas do vale e simultâneamente iniciou o cultura de parreiras de cabernet sauvignon, cabernet franc, merlot, malbec, pinot noir e syrah. Ao todo foram quase 30 hectares de variedades tintas “enfiadas” em Casablanca.

“Nós queriamos fazer uma coisa singela, que tivesse características distintas do clássico vinho chileno. No país quase não havia experiência em tintos de clima frio; mas no estrangeiro alguns dos melhores tintos são produzidos em zonas desse tipo. Do ponto de vista comercial, existia a oportunidade de conseguir preços por caixa mais altos do que a média nacional”, lembra Felipe Díaz, CEO de Loma Larga Vineyards.

Em teoria, uma idéia interessante, mas que aos olhos de muitos antecipava uma fracasso total. No Chile, nesses dias, os tintos eram sinônimo dos cálidos vales centrais, onde as uvas vingam quase sem dificuldades e obtem-se razoáveis volumes por hectare. Se meter em zonas frias sem dúvida significava a obtenção de produção menor.

Não obstante e depois de vários anos de “ensaio e erro” –período em que Díaz “puxou” o cabernet sauvignon e o merlot-, Loma Larga deu com um “time” de desempenho notável: o syrah, o malbec, o cabernet franc e o pinot noir.

Não foi à toa que na edição de 2008 da guia de vinhosDescorchados, seu cabernet franc arranjou 93 pontos e o título de monarca do setor “outros tintos”.

Incluso da ótica comercial a idéia de Díaz funciona melhor. As caixas de tintos de Loma Larga têm um valor médio de US$ 90.oo, bastante mais do usual nos envios chilenos.

Felipe Díaz já não está sozinho

Atualmente, não há vinha que não esteja plantando ou que não tenha planos de plantar tintos em áreas ribeirinhas como Casablanca, Limarí ou do sul, como Biobío. Algo impensável faz uma década, mas que hoje é uma tendência determinante na indústria vinícola chilena.

Procura internacional

Para Adolfo Hurtado, enologista e gerente da vinícola Cone Sul, atrás do auge dos vinhos tintos de clima frio há uma importante mudança no gosto dos consumidores internacionais.

“Existe uma mega-tendência a consumir tintos mais elegantes e frescos. A procura deles vai em aumento constante porque as pessoas estão procurando vinhos com menor concentração e sobre-extração”, explica Hurtado.

Por sua vez, Felipe García, enologista de Casas del Bosque, põe em destaque que o Chile tem muito a ganhar nesta nova ordem mundial.

“Graças aos tintos de clima frio nosso país está conseguindo vinhos de classe mundial, que combinam com a comida. Esta é uma área gourmet que ainda não é tão grande no mundo, porém que cresce sem pressa mas sem pausa”, afirma García.

E como se relaciona essa procura com o clima frio?

Simples: as temperaturas ribeirinhas ou do sul mais baixas limitam o incremento dos açúcares na uva, o que se reflete em vinhos com menos álcool. Em forma paralela, graças a que a maturidade das uvas leva mais tempo do que nas regiões mais cálidas, nas áreas frias os enólogos podem esperar que os taninos das uvas atinjam sua plenitude –e conseguir assim vinhos com características menos incisivas-.

O “morango da torta” é que as uvas obtêm uma acidez mais alta, o que faz com que os vinhos sejam mais frescos.

“Em geral, os tintos de clima frio têm uma expressão de cheiros muito interessante, são muito expressivos”, diz Paula Cárdenas, enóloga da vinha Matetic, localizada na região de Rosario, entreCasablanca e San Antonio.

Com um mercado internacional saturado de vinhos ultra-potentes e concentrados, dá para entender por quê os consumidores procuram produtos mais elegantes.

O mascarão de prôa

Sem dúvida, pinot noir é a cepa que mais incentivou as vinhas chilenas para olhar com olhos novos a costa e o sul para seus tintos.

A delicada cepa vinga apenas em climas frescos, e hoje em dia é uma das de maior procura internacional. Boa parte desse sucesso explica-se pelo interesse público que lhe otorgou o popular filme “Sideways”,“Entre copas”, em castelhano.

Graças à procura mundial muito ativa, o interesse empresarial por esta cepa está crescendo com força.

Córpora Wines, de Pedro Ibáñez, converteu-se na firma enológica com maior quantidade de hectares de pinot noir no hemisfério sul: mais de trezentos. Ibáñez apostou no frio e chuvoso vale do Biobío.

A vários centenares de quilômetros ao norte, em Casablanca, Felipe García dá um exemplo claro do atraente que é o pinot noir.

“A vinha do pinot está toda vendida. Temos um projeto até 2012 para aumentar fortemente nossa produção. Produto chileno de boa qualidade, tem procura”, explica García.

Segundo Alberto Antonini, flying winemaker italiano, as possibilidades do pinot chileno são muito boas.

“Acredito que aqui há zonas que não somente podem dar bons pinot, mas, se são bem trabalhados, ficar entre os melhores do mundo. Do que eu conheço de Leyda, a pesar de ser bom, apenas atinge a metade do seu potencial. Por exemplo, se se plantasse em alta densidade conseguiriam-se avanços notáveis”, diz Antonini.

Mas o Chile dos vinhos tintos frios não vive apenas do pinot noir: o syrah também está dando o que falar.

A diferença dos seus parentes dos vales centrais, com mais corpo e álcool, em regiões como San Antonio, Casablanca e Limarí o syrah desenvolve uma personalidade mais sutil, fresca e com cheiros a especiarias.

“Os cítricos recebem muito bem essas características. Tendem a se associar mais com os syrah franceses que com os australianos, graças à sua elegância”, afirma Paula Cárdenas.

Novamente, não foi casual que em Descorchados 2008 seis dos melhores nove syrah viessem dos vales com influência marítima, comoLimarí, San Antonio ou Casablanca.

Por isso não chama a atenção que na indústria chilena do vinho exista a sensação de que o melhor está por vir.

“Muitas firmas estão entrando com seriedade nos tintos de clima frio. Não há dúvida de que este fenômeno vai explodir nos próximos anos”, sintetiza Jean Charles Villard, enologista da vinha Villard.

Cuidados especiais

Fica claro: produzir tintos em zonas frias é mais complicado. A maior umidade aumenta as possibilidades de infeções por fungos. E é necessário reduzir a carga de uvas por hectare. “Nos climas frios nunca se conseguem os 12 mil quilos por hectare que se atingem nos vales centrais. Na melhor das hipóteses, chega-se aos 8 mil quilos”, explica Rodrigo Romero, enologista de Porta de Viñedos Corpora.


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