quarta-feira, 3 de março de 2010

Não coloque as garrafas na adega, mas no cofre


O
texto sobre leilões enológicos da semana passada fermentou um assunto que intriga muitos degustadores iniciantes: como pode uma simples garrafa de vinho custar US$ 25 mil ou mais? O que leva 750ml de uma bebida custar os olhos da cara? Para início de conversa, não são simples garrafas de vinhos. Uma coisa é chamar de caro aquele exemplar que você comprou no supermercado e nem gostou muito. Outra é entender que esses produtos de valor exorbitante são exclusivos, distantes da realidade do enófilo padrão, e carregam consigo uma série de diferenciais que podem ser basicamente divididos em seis quesitos.

 

Investimento: para elaborar um produto de alta gama é preciso gastar. Assim, o vitivinicultor tem de adquirir o terreno adequado, os clones top de cada casta (não se engane: nem todo cabernet sauvignon é igual), embarcar tecnologia na cantina, equipar a cave com barricas (que dependendo da qualidade podem custar mais de US$ 500 cada), enfim, comprar o melhor para produzir o melhor.

Minuciosidade: os grandes vinhos são talhados com o máximo cuidado. Colheita, seleção e desengaço (separar o grão da uva da haste) são processos que podem ser mecanizados, mas em vinícolas top é comum que eles sejam manuais. Para isso é preciso gente qualificada, e gente custa caro. Aqui é preciso incluir o trabalho de enólogos e cantineiros experientes, que vão tratar a bebida com o respeito que ela merece.

Desperdício: para alcançar um produto de qualidade é preciso abrir mão de quantidade, ou seja, jogar fora parte do que poderia virar UM vinho, mas não é bom suficiente para ser O vinho. Exemplos são a prática do raleio, que reduz a carga de cachos de uma videira para que os que sobraram se desenvolvam melhor, e a preferência dada ao mosto flor, suco retirado das uvas sem o uso de prensagem (o chamado vinho de prensa traz consigo acidez e taninos menos desejados para um produto premium, por isso é dispensado ou utilizado em quantidades menores para balancear o resultado final).

Tradição: como em qualquer produto hoje em dia, a marca faz a diferença. Não necessariamente na qualidade, mas na credibilidade e no preço. Existem cantinas que levaram anos para construir sua imagem e há as celebridades instantâneas. E quando uma empresa se torna referência em seu ramo, é natural que debite essa responsabilidade na conta de seus clientes _ que, aliás, são os culpados por a colocarem em um pedestal.

Oferta x demanda: aí está outra uma regra que não pode ser atribuída exclusivamente ao universo enológico. Para quem acha que vinhos assim são difíceis de sair da prateleira, é bom dizer que muitos são vendidos enquanto ainda estão na barrica, quando não há a garantia de que sairão tão bons quanto seus antecessores. Além disso, produtos assim costumam receber ótimas críticas de avaliadores famosos, o que causa uma corrida entre os consumidores.

Juros: o conceito de juro parece nascido no mercado financeiro, mas é algo da natureza. Ao plantar uma semente, o agricultor precisa esperar o crescimento da planta para colher seu rendimento, que é a fruta. Na enologia é igual. Tem um custo esperar que videiras envelheçam e produzam uvas melhores, assim como guardar o vinho em barricas ou em garrafas nas caves subterrâneas. Quem retém a bebida para que ela amadureça corretamente, seja o produtor ou um intermediário, vai repassar esse gasto ao consumidor final. E quanto mais valioso o item guardado, maior o juro.

 

A questão pendente é se vale a pena pagar tanto por um prazer tão efêmero? Depende. Para os adeptos de generalizações, que classificam os rótulos apenas como "bons" ou "ruins", não. Claro que existem exageros nos preços, mas acredite: há vinhos em que é possível enxergar dentro do cálice todos os itens descritos acima. Aí você saberá que aquela pequena fortuna foi bem gasta.


Texto de Maurício Roloff

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